No último dia 27, meu artigo neste espaço relatou a eutanásia de um heróico cãozinho, que, mesmo irremediavelmente doente e em imenso sofrimento, ainda amava a vida.
Aquele texto não foi apenas uma reflexão sobre a vida e a morte, mas um alerta para um grave problema que ocorre hoje em nosso país: o frio assassinato de milhares de cães que gozam de perfeita saúde, perpetrado por entidades do Estado, em nosso nome.
A herança que o cãozinho incuravelmente doente deixou foi um grito de alerta: para que nós, humanos, compreendamos a imensa brutalidade que é essa matança de seres saudáveis.
Os cães são nossos maiores companheiros e o maior presente que a natureza nos deu. Eles nos amam incondicionalmente, sua fidelidade é sólida como as mais profundas fibras de suas heróicas almas (que sacrificam sem hesitação suas vidas para defender seus donos), sua alegria e seu carinho são lições que a cada dia nos ensinam a ser melhores e a viver melhor...
Quando penso sobre isso, é difícil compreender o que fizemos para merecer tamanho presente... Mas deveríamos agradecer a Deus e à natureza por ele, e mostrar permanente respeito e carinho por esses seres infinitamente alegres e amigos, e que amam tanto a vida, e que a cada dia nos ensinam a amá-la também. Porém, ao invés disso, criamos "centros de controle de zoonoses", as malfadadas "carrocinhas", que capturam os cães pelas ruas e os assassinam com bestial frieza!
Deveríamos parar para refletir. O que, afinal, nossa espécie está fazendo na Terra? aonde queremos chegar?
Não nos contentamos em estar destruindo cada um dos ecossistemas do planeta, não nos contentamos em nos comportar como verdadeiros playboys mimados, que -- sem qualquer consciência ou reconhecimento do fato de existirem outros seres -- dilapidamos a herança que a natureza nos deu, numa verdadeira orgia de inconseqüência.
Além de tudo isso, ainda tratamos nossos melhores amigos, os cachorros, como se fossem resíduos descartáveis, não seres brilhantes e repletos de vida.
Vi outro dia na TV um certo professor da USP afirmando que a hostilidade da população contra a carrocinha é devida à "ignorância", pois a população não sabe que os cães podem (sic) "causar doenças". Pobre criatura vaidosa. Do alto de seu pedestal, ele nem sequer cogita a hipótese de que o ignorante possa na verdade ser ele próprio. A tal "população" pode perfeitamente saber da possibilidade de um cão transmitir doenças -- bem como da possibilidade de outros seres humanos transmitirem doenças -- mas nem por isso precisa apoiar a idéia de que se deva sair por aí praticando extermínios.
O sábio professor nem percebe que seu raciocínio brota do mesmo campo de onde brotaram as maiores monstruosidades da história humana. A mente dissociada do coração é um mecanismo defeituoso e pervertido, que pode levar para absolutamente qualquer direção e fazer estragos sem qualquer limite. Não existe nada mais ignóbil do que a pseudo-sabedoria, que tenta mostrar a "lógica" de atos monstruosos através de argumentos "científicos", mas sem discutir os aspectos éticos da questão.
A solução para o problema das carrocinhas, porém, não é de modo algum hostilizar os funcionários que nelas trabalham (muitos dos quais também sofrem com a matança dos animais). A solução é exigir dos políticos que a matança seja proibida por lei, e que em todo o país o extermínio seja substituído por programas de esterilização e adoção, como muitos que já existem em curso.
Fonte: http://www.casadacultura.org/andre_masini/artigos/2004/Mai/a_carrocinha.html
A Condição Humana
Mauro Andriole
Quando tudo se revela verdadeiro na vida de um homem, é justamente quando sua solidão é sua única companhia. Não há mais do que isto para se acreditar no âmbito das relações humanas. A dificuldade está em aceitar a condição de ser apenas e tão só a presença de Deus, esta solidão que perpassa tudo e a tudo se revela ao homem como seu mundo.
O Amor possível está em reconhecer que nada pode se esperar do Amor, pois isto já seria deixar de amar de fato, e se tornaria apenas vontade de possuir.
Mas quem é capaz de amar de fato?
Quem pode deixar de esperar alguma coisa em troca? – Expectativas...
Tive tudo, e foi assim que percebi o quanto estava longe de poder amar. Tive mulher, tive filhos, tive pai, mãe, irmãos, casa e profissão. Pensei até que tive amigos.
Mas como pude ter qualquer coisa, senão elas a mim?
E eu, na ânsia de ser este que, possuído por todos, me entendia e me reconhecia, me escondi de ser o que se é na verdade: um ser que é... e não um ser que tem.
Agora que sei que nada tenho, pois na minha solidão tudo se revelou verdadeiro, tal como é Deus em mim, agora posso amar. Amar, esta verdade inexorável. Amar o esquecimento que se avulta no horizonte deste teatro que é minha vida no tempo que eu pensava ter.
E ainda que isto tudo se revele verdadeiro neste instante, sei que isto a que chamo verdade não é mais do que minha ignorância, minha estúpida vontade de aceitar minha condição humana em sua mais torpe existência! E assim, um frio me invade e me apavora ao mesmo tempo... Um frio que queima onde chama alguma pode alcançar. Uma razão gélida e extraordinariamente iludida vem me socorrer neste torpor funesto, neste momento de esquiva desesperada de voltar a trás e ter o que não se pode ter nunca...
Ter a ilusão de ser o que se pensava ter. Este sonho que nunca cessa e que nunca sacia a vontade de dormir finalmente, de ir onde se sabe que não irá ter consigo mesmo, de decepar a cabeça da própria sombra e rir-se do pavor da multidão vaiando e pedindo bis com as lágrimas nos olhos e o desejo de mastigar mais um pouco dessa dor alheia!
Quantos caminhos por trilhar, para deixar de ir onde nenhum deles me levou até agora...? Sina...sinais e desejos em vão, todos sempre antevistos como a mais pura ilusão que um homem pode admitir para si. Tanathos amores, mortes deliciosas rondando à espreita dos olhos meigos de uma paixão possível. E todas elas sempre em busca do desassossego que lhes redima os erros passados e as carreguem para longe, cada vez mais longe, até virem a ser sugadas pela boca rubra, pelas coxas feitas, pelas mãos de seda e pelo vigor da volúpia das carnes contra as carnes.
Tudo decorre num lapso de tempo que se esvai mais cedo do que se pode ter para viver sua realização completa. Eis a vida sendo o que é.
Resta o quê?
Rastro...sempre rastejando nas costas daquele que caminha só, este vagar para onde todos caminham, para ser o que jamais se poderá explicar e o que jamais se poderá negar, e que também sempre será o único sentido para a vida.
Deus...Deus...Deus...três vezes infinitas vezes na mente, no corpo, na Alma e no destino humano consciente.
Sê este e serás infinito!
Sê este e nada também serás!
Sê este e tudo será seu justo lugar!
Sê feliz, pois nenhuma palavra tirará desta felicidade o que sempre foi dela.
E, sobretudo, ama a tudo tal como puderes e tudo será como é de fato, simplesmente verdade. Será esta a ilusão e esta a verdade que reside na ignorância, na palavra que vem à tona em teu silêncio e tua solidão de homem.
Caminha, e nunca sairá de onde sempre esteve!
Permaneça, e sempre estará a caminhar para onde menos espera.
Espera, e nunca chegará onde não esteve antes alguma vez.
A Condição Humana é apenas uma fuga possível que se abre quando se esvai a sabedoria, mas com ela, porém, na luz de sophia, e jamais de posse dela, a vida desanuvia-se numa chuva insana e rega as mais belas flores a perfumar os campos da criação.
A Condição Humana
Mauro Andriole
Quando tudo se revela verdadeiro na vida de um homem, é justamente quando sua solidão é sua única companhia. Não há mais do que isto para se acreditar no âmbito das relações humanas. A dificuldade está em aceitar a condição de ser apenas e tão só a presença de Deus, esta solidão que perpassa tudo e a tudo se revela ao homem como seu mundo.
O Amor possível está em reconhecer que nada pode se esperar do Amor, pois isto já seria deixar de amar de fato, e se tornaria apenas vontade de possuir.
Mas quem é capaz de amar de fato?
Quem pode deixar de esperar alguma coisa em troca? – Expectativas...
Tive tudo, e foi assim que percebi o quanto estava longe de poder amar. Tive mulher, tive filhos, tive pai, mãe, irmãos, casa e profissão. Pensei até que tive amigos.
Mas como pude ter qualquer coisa, senão elas a mim?
E eu, na ânsia de ser este que, possuído por todos, me entendia e me reconhecia, me escondi de ser o que se é na verdade: um ser que é... e não um ser que tem.
Agora que sei que nada tenho, pois na minha solidão tudo se revelou verdadeiro, tal como é Deus em mim, agora posso amar. Amar, esta verdade inexorável. Amar o esquecimento que se avulta no horizonte deste teatro que é minha vida no tempo que eu pensava ter.
E ainda que isto tudo se revele verdadeiro neste instante, sei que isto a que chamo verdade não é mais do que minha ignorância, minha estúpida vontade de aceitar minha condição humana em sua mais torpe existência! E assim, um frio me invade e me apavora ao mesmo tempo... Um frio que queima onde chama alguma pode alcançar. Uma razão gélida e extraordinariamente iludida vem me socorrer neste torpor funesto, neste momento de esquiva desesperada de voltar a trás e ter o que não se pode ter nunca...
Ter a ilusão de ser o que se pensava ter. Este sonho que nunca cessa e que nunca sacia a vontade de dormir finalmente, de ir onde se sabe que não irá ter consigo mesmo, de decepar a cabeça da própria sombra e rir-se do pavor da multidão vaiando e pedindo bis com as lágrimas nos olhos e o desejo de mastigar mais um pouco dessa dor alheia!
Quantos caminhos por trilhar, para deixar de ir onde nenhum deles me levou até agora...? Sina...sinais e desejos em vão, todos sempre antevistos como a mais pura ilusão que um homem pode admitir para si. Tanathos amores, mortes deliciosas rondando à espreita dos olhos meigos de uma paixão possível. E todas elas sempre em busca do desassossego que lhes redima os erros passados e as carreguem para longe, cada vez mais longe, até virem a ser sugadas pela boca rubra, pelas coxas feitas, pelas mãos de seda e pelo vigor da volúpia das carnes contra as carnes.
Tudo decorre num lapso de tempo que se esvai mais cedo do que se pode ter para viver sua realização completa. Eis a vida sendo o que é.
Resta o quê?
Rastro...sempre rastejando nas costas daquele que caminha só, este vagar para onde todos caminham, para ser o que jamais se poderá explicar e o que jamais se poderá negar, e que também sempre será o único sentido para a vida.
Deus...Deus...Deus...três vezes infinitas vezes na mente, no corpo, na Alma e no destino humano consciente.
Sê este e serás infinito!
Sê este e nada também serás!
Sê este e tudo será seu justo lugar!
Sê feliz, pois nenhuma palavra tirará desta felicidade o que sempre foi dela.
E, sobretudo, ama a tudo tal como puderes e tudo será como é de fato, simplesmente verdade. Será esta a ilusão e esta a verdade que reside na ignorância, na palavra que vem à tona em teu silêncio e tua solidão de homem.
Caminha, e nunca sairá de onde sempre esteve!
Permaneça, e sempre estará a caminhar para onde menos espera.
Espera, e nunca chegará onde não esteve antes alguma vez.
A Condição Humana é apenas uma fuga possível que se abre quando se esvai a sabedoria, mas com ela, porém, na luz de sophia, e jamais de posse dela, a vida desanuvia-se numa chuva insana e rega as mais belas flores a perfumar os campos da criação.
O Autor, Mauro Andriole, é artista plástico, estudioso de filosofia, sobretudo de temas que convergem para a ciência e a metafísica